Reset(ar)
Por:
Camila Alves
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Fonte: Fonte de Internet |
Hoje é 09 de abril de 2020,
inicio uma nova caminhada, focada no presente.Há menos de um mês iniciamos no
Brasil um período de isolamento social em decorrência da pandemia do Novo
Corona Vírus, um vírus altamente contagioso e com uma taxa de letalidade que
mesmo não sendo tão alta acomete pessoas idosas e com doenças (comorbidades),
nesse sentido, o principal a ser feito é evitar o contágio, que acontece
semelhante ao de uma gripe normal, porém, essa doença ataca fortemente as vias
respiratórias exigindo do sistema de saúde aparelhos como os respiradores,
logo, o caos é uma questão de dias, hoje os casos de morte (de pessoas de
várias faixas etárias, inclusive, e não somente pessoas com comorbidades),
estão na casa dos 700 mortos e a quantidade de pessoas contaminadas já passa de
15 mil casos confirmados.
Os números não são exatos, pois a
demora no resultado do teste para covid-19 (o nome da doença de fato) demoram
dias em algumas regiões como São Paulo (local com o maior número de mortos até
agora), assim pessoas morrem, não podem ser veladas, seus caixões são lacrados
e em alguns casos, não tem a confirmação de morte por covid-19.
Pra completar o cenário de
desespero e muita preocupação com o povo brasileiro o atual governo,
representado exclusivamente pelo presidente atual, insiste em confundir os mais
necessitados e seus apoiadores, minimizando a doença, pedindo o distanciamento
social (que seria isolar apenas pessoas com doenças crônicas e idosos),
fundamentando uma ideia de que mesmo morrendo muita gente o país não pode
‘quebrar’ (#brasilnaopodeparar).
Os estados mais atacados até
então são São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará (onde mora minha família) e DF (onde
moro atualmente). Não nos restou dúvidas em manter o isolamento social, estou
há quase um mês sem sair de casa, desci com minha cachorra algumas vezes, no
máximo três, tomando todos os cuidados possíveis ao sair e ao entrar em casa...e
no meio de tudo isso, surpreendidos por uma pandemia tive meus arquivos mais
recentes da pesquisa de doutorado corrompidos por um vírus, também um vírus,
ironia.
No computador havia parte de meus
planos e os cronogramas estavam inteiros, as leituras em andamento.Mais notícias, mais cuidados,
mais absurdos vindo do governo/presidente. Corte de bolsas feito pelo Ministério
da Educação, frases emitidas pelo ministro desrespeitando as pesquisas e
pesquisadores pelo país, desrespeitando todo mundo que é contrário a política
da entrega, tão bem orquestrada pelo presidente.
Mais tristeza, mais revolta, mais
impotência. Do outro lago, chuva de memes, comentários, fake News, risco de uma
manifestação pública de apoio ao presidente no dia 15 de março, ofuscada por
alguns mas NO DIA apoiada pelo mesmo, que acabava de chegar da Flórida
(EUA) com uma comitiva repleta de assessores contaminados de Covid-19, 22
pessoas que tiveram os testes positivos e ele, um homem idoso e cheio de
doenças foi quase o único que não deu positivo, mas era suspeito de transmitir
(em alguns casos a Covid-19 não apresenta sintomas por dias), ainda assim, contrariando
a si mesmo, o presidente aparece diante de seus seguidores, abraça, tira fotos
e lança mais ainda a contaminação, também de ódio e intolerância.
Toda essa novela parece de fato
uma ficção, tanto que não dá pra acreditar, pra engolir, pra entender. Mas a
conta é simples. Somos milhões de assalariados, informais, desempregados, em
situação de rua, em situação de dependência química, em baixas condições
econômicas, somos o peso de um país que já foi vendido, já está nas mãos de
seus eternos colonos, somos desnecessários, uma pandemia de alto contágio no
Brasil e seu sistema público repleto de necessidades é providencial, não vou
longe, o próprio presidente disse isso, “morrer, todo mundo vai morrer um dia”.
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Fonte: Foto da Internet |
Dentro de casa, dentro de mim
mesma tento ficar bem, aos poucos tentando me conectar com um plano astral de
abraçar a terra em regeneração, notícias pelo mundo nos fazendo crer que o
vírus mais letal ao planeta é a própria humanidade que durante seu isolamento
promove o restabelecimento das riquezas naturais, o ar é menos poluído, os
rios, até o movimento de rotação se torna mais lento permitindo a escuta de
abalos sísmicos.
A solidariedade também ressurge,
meios de se conectar, de estar junto mesmo separado. Ao redor do mundo as
pessoas se ajudam, reúnem-se em mutirões online para enviar dinheiro a outras
que escolhem os comércios menores para fazerem marmitas a serem doadas, por
exemplo.
Apesar disso, a balança ainda é
desigual, e o que fica em mim é uma sensação de impotência e estagnação. Afinal,
o que tenho feito da minha vida e o que isso importa diante de uma situação
como essa?
No meio de tudo isso, meus
arquivos corrompidos, alguns anos de materiais reunidos, textos e leituras por
fazer, arquivos que eu não tinha renomeado, escritas soltas, organizações
infinitas e uma vida em suspenso.
Parece que fui contaminada,
preciso de respiradores mesmo saudável, não consigo entender o propósito de
nada agora, também não adianta dormir, permaneço acordada, violentamente
acordada. Minha mente não para de elaborar teorias, procurar respostas, julgar
minha ineficiência, não desligo mesmo dormindo, os sonhos me levam às pessoas
com quem um dia tive problemas, será o momento de perdoá-las? É assim que o fim
do mundo acontece?
Me sinto sozinha e sem vontade alguma
de seguir, porque não sei pra onde eu vou, por que não quero fazer nada. Me
sinto culpada por poder estar em casa, por poder receber uma bolsa de pesquisa
e por não estar realizando uma pesquisa para a cura de alguma doença. Afinal,
para que serve uma pesquisa em Artes?
Por que as reflexões que faço por
meio das leituras e do campo em minha pesquisa são importantes para a
humanidade? Como se posicionar diante de uma pandemia com as descobertas que
fiz em minha tese? É nesse instante que as coisas
começam a se reordenar em minha cabeça. No exato momento em que a humanidade
precisa de consciência a respeito de si, da forma como nos exploramos, como
sugamos o planeta, como subjugamos aqueles que consideramos mais frágeis, que
escolhemos nosso ego para comandar o universo, que precisamos parar, respirar,
pensar sobre o que temos feito da vida e pra quê, no exato instante em que eu
preciso me organizar para não pirar e terminar o que venho fazendo ao longo
desses três últimos anos, mesmo ‘protegida’ em casa sofro um ataque de vírus
que leva meu chão. E o que resta?
Pra mim, desordenada,
fragilizada, sabotada por mim mesma, com milhares de questões a se resolverem
de uma vida repleta de traumas e compensações operadas por mim para aliviar
meus quilos nos ombros, entreguei o jogo. Nunca fui competitiva, me irritava
como as pessoas se transformavam quando em situação de disputa, entrego,
deixo-por-menos.
Assim, sucumbi, fui para o mais
abaixo possível de uma autoestima. Sem apetite, sem vontade, sem brilho. Olhar
perdido de uma pessoa perdida. Dias longos, filmes que nem lembro que vi,
conversas com meu companheiro, pedidos de ajuda, procura de soluções e
finalmente a formatação do computador.
Num período como esse de
isolamento ficou difícil encontrar algum técnico que pudesse resolver meu
problema, os dias se alargariam pela espera de alguém que pudesse consertar
minha máquina. Resetei! Apaguei tudo. Estou recomeçando.
Sobre
a autora: Mulher
negra, Cearense, escritora em tempos de pandemia, estudante e educadora.
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